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26 de maio de 2017

UM CÍRCULO DRUIDA - RELATO POR GEOFFREY HODSON



Agosto de 1922.


(Enquanto eu tentava estudar os habitantes fantásticos da região do Lago Inglês, fiz uma visita ao Círculo dos Druidas, próximo a Keswick. Os acontecimentos relatados a seguir pareciam estar impressos de modo tão indelével no lugar, que optei por descrever aqueles mais ao alcance da minha visão, em vez de estudar a vida fantástica que normalmente se encontra na região.)

“Trata-se de um círculo druida completo, formado por pedras separadas, cuja altura varia de 30cm a 2m, cercado de montanhas por todos os lados, exceto ao Leste.
Contra o fundo das muitas cenas estranhas que se desenrolam ante o olho interior, destaca-se vivamente a poderosa influência que sobre o lugar exerce a personalidade de um homem. Figura grandiosa, sacerdote, guia e curandeiro de seu povo, ele se sobressai, como um daqueles vigorosos heróis da antiguidade que encontramos nas histórias do passado.

A sua estatura é superior à média, a sua figura é imponente e respeitável, com longas barbas e cabelos que, recentemente, se tornaram totalmente brancos; veste um traje de peça única que chega até os pés, algo parecido com o sobrepeliz (um sobretudo talvez) dos dias de hoje.

De onde estamos sentados, eu vejo de pé no interior do círculo de pedras; atrás dele, acha-se um grupo de sacerdotes vestidos como ele. Desfraldada no topo dos altos rochedos, vê-se uma bandeira do branco mais alvo, em que está bordada uma serpente dourada. Uma grande concentração de pessoas permanece a certa distância do círculo externo, como se aguardassem um sinal. O sumo-sacerdote, que evidentemente é um mestre na magia, ergue os braços para os céus, alça os olhos e emite um forte grito. Inúmeros devas, das mais variadas espécies, pairam no ar, e, a seu chamado, uns seis ou sete entre os maiores formam um círculo acima de sua cabeça, a cerca de 25 a 30m de altura; suas mãos se encontram num ponto acima da cabeça do sumo-sacerdote e então se origina o fogo, cuja materialização torna-o visível para a visão física.

Um dado relevante acerca desses devas maiores é que todos trazem uma coroa na cabeça, feita de uma cinta de ouro na qual estão incrustadas pedras preciosas de um brilho deslumbrante; a certos intervalos, esta cinta se estende em pontas para cima, sendo que as maiores se formam por sobre a testa.

O fogo baixa ao altar de pedra defronte ao sumo-sacerdote e arde sem combustível visível. Os outros sacerdotes formam, então, dois grupos e marcham na direção do altar, entoando baixinho um hino um tanto gutural. Os participantes se distribuem em filas voltadas para cada uma das três entradas, ao Norte, Sul, e Oeste, e então marcam para o centro do círculo, onde chegam quase a se encontrar, deixando uma extensa área desimpedida. O sacerdote e os participante, à exceção do sumo-sacerdote, prestam então suas homenagens ao fogo; estendem os braços para a frente e baixa a cabeça, assim permanecendo, enquanto uma longa prece é dita pelo sumo-sacerdote. Um poderoso cinturão magnético estende-se, então, em volta do círculo, cujos efeitos ainda hoje são sentidos, produzindo um isolamento tão forte, do ponto de vista ocultista, quando aquele proporcionado pela solidez de um templo. Enquanto os participantes continuam de cabeça baixa, os devas descem até eles e uma força, algo como uma descarga de relâmpago, manifesta-se sob a forma de uma imensa cruz em suas costas.


Os espaços existentes entre os braços da cruz são ocupados por espíritos da Natureza menores, alguns dos quais atuam como obreiros, sustentando o fluxo de energia ao longo das linhas da cruz, enquanto outros, aparentemente, fazem parte da congregação, tal qual os seres humanos.

O sacerdote naturalmente tem consciência da presença de uma poderosa entidade espiritual, a quem são dirigidas suas preces e de quem, aparentemente, chega uma resposta. Tal entidade pode ser um nirmanakaya (“senhores da compaixão”, que sacrificam sua beatitude, nirvana, a fim de auxiliar a humanidade, Glossário de Hoult) ou um deva superior, sendo que a fonte da qual emanam as forças e sobre a qual a entidade zela parece estar localizada nas alturas, exatamente sobre o templo.

Os resultados da prece são notáveis: o próprio céu parece abrir-se, e um poderoso fluxo de energia se derrama para dentro do quadrado central formado pelas três fileiras de participantes e pelo altar. Os participantes agora se mantém de pé e a atividade dos devas intensifica-se, com o objetivo de que o máximo dessa força atinja as pessoas, com um mínimo de desperdício e perdas. O fluxo que vem do alto continua ainda por algum tempo, formando um verdadeiro pilar de energia viva, algo cujo aspecto custa-me descrever, pois que as minhas palavras seguramente não chegam para tanto. A descrição mais aproximada que posso oferecer é compará-lo a uma madrepérola em estado líquido, uma lava incandescente e opalescente, tingida por um certo matiz rosa. Ela penetra bem fundo no chão e torna a reaparecer à superfície para então se projetar nas alturas, fora do alcance de minha visão. O sumo-sacerdote, bem como alguns dos sacerdotes, consegue divisá-la claramente; todos os participantes sentem a sua presença, mas poucos a enxergam. A atitude de todos denota um grande respeito, tanto da mente como do corpo, compenetrando-se da natureza sagrada do evento.

A um sinal do sumo-sacerdote, um certo número de pessoas velhas e enfermas se dirige ou é carregada até os espaços existentes entre os braços da cruz formada pela congregação, e daí para o seu interior; os que mal se aguentam em pé são deixados sobre a relva, ao lado do pilar formado pelo fluxo de energias. Faz frio, o que parece aumentar o sofrimento dos doentes mais idosos. No entanto, a posição por eles ocupada agora causa uma sensível melhora no seu estado. Vejo erguer-se um homem, velho e decrépito, que fora deixado na extremidade norte do quadrado, apoiando-se sobre o cotovelo direito na extremidade norte do quadrado, apoiando-se sobre o cotovelo direito e estendendo a mão esquerda na direção do pilar, como se procurasse aquecer-se ao fogo. Uma onda de calor e energia magnética perpassa a sua ossatura, os seus olhos tornam-se brilhantes e, passado algum tempo, ele já se ajoelha e permanece nessa posição, ainda vacilante, mas sensivelmente melhor, tanto de mente como de corpo. Junta as palmas das mãos, formando uma taça na qual um dos sacerdotes despeja um líquido meio amarelado, que o ancião ingere. Muitos outros, homens, mulheres e crianças, recebem esse líquido. As feridas são curadas instantaneamente pelo sumo-sacerdote, que se limita a passar-lhes a mão. Uma poderosa energia emana dele e o seu corpo parece inteiramente iluminado por uma luz dourada; obviamente, ele sabe tudo acerca dos poderes interiores do homem, e o seu toque possui um efeito mágico sobre os pacientes.

Esta parte da cerimônia dura provavelmente 20 ou 30min, e depois dela todas as atenções se voltam para a figura do sumo-sacerdote que, do alto de uma rocha plana, profere uma exortação. Não consigo entender uma só palavra de seu discurso, mas o teor deste parece ser um apelo aos homens, uma incitação a que o povo alcance a sua unidade e independência. Observa-se também a presença de alguns espíritos selvagens e baixos que, embora subjugados no momento pela força do sumo-sacerdote e da cerimônia, não são em absoluto moderados e dóceis quando em meio à devassidão de que procedem.

Tendo concluído a sua exortação, o sumo-sacerdote orienta a multidão numa prece em ação de graças e todos juntos se inclinam respeitosamente por três vezes, tal como na abertura da cerimônia. Na terceira vez, enquanto a multidão permanecia de cabeça baixa, o sumo-sacerdote tornou a olhar para as alturas e a falar; o fluxo de energia que vinha do alto cessou subitamente e o pilar desapareceu. Os participantes, então, viraram-se e, cantando junto com o sumo-sacerdote, deixaram o círculo por onde haviam entrado. Fora do círculo,  quebraram a sua formação original e passaram a aguardar; então, o sumo-sacerdote virou-se na direção do símbolo da serpente e dos outros sacerdotes que estavam em frente a ele, disse algumas palavras e os abençoou, descrevendo rapidamente com as mãos alguns símbolos no espaço, parecendo formar círculos ou espirais, e que se faziam visíveis à medida em que passavam de suas mãos para a aura dos sacerdotes; estendeu os braços na direção deles, para em seguida abri-los, abarcando o grupo.

Os sacerdotes abaixaram-se e um fluxo de energias, vindo do sumo-sacerdote, foi-lhes transmitido, bem como para o estandarte; isso levou um bom tempo, uns dez segundos talvez, durante os quais os sacerdotes foram sacudidos por uma grande exaltação; o estandarte foi então recolhido, e os sacerdotes deixaram o círculo, trocando palavras com os seus conhecidos ou afastando-se em sua companhia, à medida em que todos se dispersavam. O sumo-sacerdote e mais alguns, no entanto, além de certos membros da congregação que pareciam ligados à sua pessoa, desceram a encosta para o Leste, onde havia um grupo de rochas no sopé da colina. Cada um parecia possuir uma cela própria, na qual havia uma cama rústica, feita de terra e turfa. As janelas eram abertas nas paredes e a atmosfera do lugar era positivamente primitiva, embora não fosse desconfortável. Logo após ocupar o seu compartimento, o sumo-sacerdote sentou-se num banco e entrou em transe; parece ter ficado neste estado por muito tempo, pois a sua consciência sem dúvida conseguira desprender-se do corpo.
Toda a região em volta era muito mais selvagem e desolada que hoje, e muitas batalhas foram travadas continuamente em diversas regiões, em razão dos saques realizados por tribos das redondezas. Parece que algumas das feridas curadas durante a cerimônia haviam sido causadas por essas batalhas.

Obviamente, em muitas cerimônias, somente os sacerdotes eram admitidos. Posso vê-los, no interior do círculo, saudando o Sol nascente. Em outra ocasião, a cerimônia estava sendo realizada durante a noite, sob o céu estrelado, e a atenção de todos se voltava para um estrela que brilhava a noroeste, pouco acima da linha do horizonte. Percebo, também, uma espécie de troca de sinais, pois nos cumes do Skiddaw, do Blencathra e do Helvellyn há pessoas cujas atenções estão voltadas para o círculo, de onde se avistam perfeitamente os sinais por eles emitidos. Para isto, serviam-se aparentemente do fogo.

Um sistema de disciplina meditativa era obviamente adotado pelos sacerdotes, alguns dos quais possuíam a faculdade de entrar em transe por suas próprias forças. O templo parece estar em contato magnético com um outro centro da mesma religião, situado muito longe, a sudoeste.
Em períodos mais recentes, quando nada mais restava desse sacerdote senão a sua memória, ele passou a ser adorado quase como uma divindade por sucessivas gerações, que o tinham como guia e fundador de seu templo e sua religião. Um poderoso conhecedor da magia branca é o que ele parece ter sido, bem como mestre e benfeitor de seu povo. Vejo-o, muito depois dessa cerimônia, muito velho, mas ainda perfeitamente aprumado, a cabeça embranquecida, amparado por dois sacerdotes, seguindo lentamente pelo caminho que vai da sua morada até o templo, onde uma grande multidão está reunida. A sua chegada é saudada por um forte grito e por braços erguidos que agitam armas e bastões. A gritaria acaba em burburinho à medida em que ele se aproxima do altar para, em seguida, abençoar a multidão com sua voz fraca, estendendo a mão direita a abanando-a lentamente sobre a massa que se acha no interior do círculo, começando do sul e passando lentamente do oeste para o norte. Todos estão de cabeça baixa; uma perfeita calma toma conta do lugar; quando voltam a erguer os olhos ele já está a caminho de sua morada; olhos inquietos o contemplam, na última vez em que o veem. Uma forte comoção toma conta de todos; alguns irrompem em lágrimas e clamam por ele.
Entre os seus sacerdotes, estão alguns jovens de caráter irrepreensível, a quem ele transmitiu uma grande parte de sua sabedoria mística e em cujas mãos ele deixa a tarefa de levar adiante os cultos e ministério no templo, depois ele os tiver deixado.

Quão diferente é a cena com que nos deparamos agora! O sol se põe com seu dourado esplendor e o sossego da tarde de verão é quebrado apenas pelo chamado estranho e longínquo do maçarico e pelos berros de inúmeros carneirinhos que, ao lado de suas mães, esperam pelo fim do dia, no interior do círculo ou à sua volta. Muito da antiga influência magnética persiste ainda e pode ser sentida; as antigas cerimônias deixaram uma impressão tão forte sobre o lugar, que a sua visão jamais se apaga para o olho interior.

Passados milhões de anos, é a primeira força, autêntica e elevadora, a que perdura de modo indelével sobre o lugar, testemunhando algo da grandeza da religião dos tempos antigos.”



Fonte: Livro O Reino dos Devas e dos Espíritos da Natureza – Geoffrey Hodson. Editora Pensamento. Tradução Hugo Mader.

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